terça-feira, 20 de março de 2012



Sou pobre  e não tenho alma. Perdi-a enquanto caminhava rota, embalada pelo vento, pelas ruas da cidade. Dormi por baixo dos ferros que se curvavam sobre mim, formando um abrigo. Adormecia todas as noites com a placa “Ponte dos Miseráveis” em frente dos olhos. Ali era a minha casa, mas nunca foi o meu lar. Esse já estava enterrado à muito. Vivi ali anos infindáveis, angústias sem fim, amargura eterna. Nunca sorri até te ver, até sentir o teu calor que aqueceu o meu corpo que estava do outro lado da rua. As cinzas transformaram-se em carne, eras tu. Surgiu vida ao fim de tanto tempo de desespero. Tantos anos deambulei pelo mundo fora, perdida e desencaixada de todos mas nunca cessei de te procurar. Hoje vi-te do outro lado da estrada. Quis tocar-te, desejei o teu cheiro, estou sedenta de ti. Reparo no reflexo que sobressai no vidro espelhado da montra que está à minha frente. Esta sou eu?! Quem sou eu?! Eu gritava em silêncio dentro de mim e nunca me ouvi. Foi o que vi que me despertou a atenção. Tantas rugas e olheiras. Estou descabelada, tenho a roupa rota, cheiro mal e as minhas unhas estão sujas de terra. Ardem-me os olhos, as minhas lágrimas são ácidas e a rotina do choro tirou o brilho das janelas da minha alma. Estou triste. Sou triste. Estás a fugir, espera! Olha para mim , repara nas minhas feições, sou eu. Espera! Eu grito, tu olhas, eu grito mais, tu olhas com desprezo, sem me reconheceres. Volta, volta para me abraçares, para me limpar as lágrimas com beijos. Volta para me fazer feliz, eu imploro-te, leva-me de volta ao meu lar.

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